sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

domingo, 22 de julho de 2007

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Diversidade Musical Interna

foto: Beto VillaresArnaldo Contier nos lembra que:

Os sentidos enigmáticos e polissêmicos dos signos musicais favorecem os mais diversos tipos de escutas ou interpretações - verbalizadas ou não - de um público ou de intelectuais envolvidos pelos valores culturais e mentais, altamente matizados e aceitos por uma comunidade ou sociedade. A partir destas concepções, a execução de uma mesma peça musical pode provocar múltiplas "escutas" (conflitantes ou não) nos decodificadores de sua mensagem (...) de acordo com uma perspectiva sincrônica ou diacrônica do tempo histórico.

JOSÉ RAMOS TINHORÃO

ilustração: Lauro Ribeiro da Silva (Rib)


JOSÉ RAMOS TINHORÃO: A CRÍTICA DA "MODERNA MPB"

Herdeiro, em parte, do pensamento folclorista que analisamos, José Ramos Tinhorão ocupa um lugar destacado na historiografia da música brasileira, não só pela sua grande produção bibliográfica, como também pela sua verve polemista. Tinhorão ganhou fama (e desafetos) ao se pautar por um projeto historiográfico que buscava delimitar (radicalmente, diga-se) as marcas de origem da música brasileira, num momento em que a Bossa Nova apontava mais para uma ruptura, ainda que buscando inspiração no "morro" (como ocorreu na sua vertente nacionalista, com Carlos Lyra, Nara Leão e Vinicius de Moraes) ou em Orlando Silva e nos sambistas antigos (como podemos notar nos álbuns de João Gilberto). A idéia básica, quase um leit-motif que perpassa toda a obra de Tinhorão, está em definir um tipo de nacionalismo com base num pensamento folclorista que enfatiza a ligação direta entre "autenticidade" cultural e base social (grupos de "negros e pobres"). Sob essa ótica, há uma preocupação em separar o que é popular e o que é folclórico: a música folclórica seria aquela de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração em geração; a música popular, ao contrário, seria a composta por autores conhecidos e divulgada por meios gráficos (ou seja, através da gravação e venda de discos, partituras, fitas, filmes etc), cujo lugar social são as cidades industrializadas. Enquanto as criações populares (individuais) se mantiveram organicamente ligadas ao universo "folclórico" (coletivo), tal como é definido por Tinhorão, a música brasileira manteve um núcleo de autenticidade, sendo efetivamente "popular e brasileira". Na medida em que as canções passaram a ser direcionadas para o rádio, a partir dos anos 30, e, nos anos 60, para a TV, ela foi dissociando-se da sua base social "originária". Nesta linha de argumentação, a Bossa Nova representava o momento máximo da ruptura com as origens, logo, com a autenticidade. Em seus livros iniciais, abertamente polemistas, Tinhorão construiu verdadeiros manifestos contra a hegemonia da Bossa Nova e da "Moderna" MPB (hegemonia consolidada em torno dos programas de televisão) na nova audiência musical das grandes cidades brasileiras. Suas afirmações eram claras: No caso especial do Brasil, a realidade desse mecanismo de dominação cultural [o mercado internacionalizado ] gerou uma intervenção contínua no processo evolutivo da música urbana, tornando-se mais forte à medida que a classe média se foi apropriando dos gêneros criados pelas camadas populares das cidades que se nutria do material folclórico estruturado após quatro séculos de vida rural. Nesse raciocínio, um outro grupo social ("classe média branca e internacionalizada") se apropriou dos materiais originais da música brasileira, diluindo-os em estruturas e ornamentos ditados pela indústria cultural internacionalizada, cuja matriz se encontraria fora do espaço do "nacional-popular". Tinhorão defende a tese da expropriação da música popular pela classe média, cuja conseqüência inevitável foi a perda de referenciais de origem. Historicamente, Tinhorão destaca dois momentos cruciais, onde este processo de expropriação está bem marcado: o surgimento do grupo de Vila Isabel, nos anos 30, e a Bossa Nova, no final dos anos 50. Este último movimento, mais do que se apropriar do material musical popular, deformou-o num nível tão elevado, que o teria diluído no jazz. Essa é a sombria conclusão de Tinhorão, na contracorrente da euforia gerada pela renovação da música brasileira, nos anos 60, entre artistas e intelectuais de esquerda. Diz ele: O amoldamento progressivo da chamada música do meio do ano ao gosto internacional, desde o samba-canção abolerado da década de 40, tinha conseguido descaracterizar por tal forma o que ainda existia de ligação com as fontes de tradição popular brasileira, que a música urbana, ao nível da classe média ia entrar numa nova fase: a de procurar no chamados 'sons universais' propostos pela indústria do disco, a fim de obter o alargamento do mercado em nome da cultura de massa". A partir dos anos 70, os livros de José Ramos Tinhorão procuraram incorporar uma periodização marcada pela longa duração e por um aporte documental extenso. Mas o tema da expropriação cultural continuou sendo o eixo da sua argumentação, dando um tom de denúncia à sua obra, direcionada contra os rumos da chamada MPB (com maiúsculas), tida por ele como um produto da classe média internacionalizada e voltada para os interesses das grandes gravadoras multinacionais. Nesse sentido, sua obra foi a ponta de lança de um pensamento ancorado no folclorismo urbano, cujo eixo era a atuação de homens da imprensa (sediados sobretudo na imprensa carioca) e agitadores culturais. O tema da expropriação cultural gerou outros trabalhos. Entre eles destacamos o pequeno livro de Muniz Sodré, publicado nos anos 60 e reeditado recentemente. Sodré trabalhou com a categoria da expropriação, mas a explicava do ponto de vista mais estrutural, como lógica de um processo produtivo que deu à classe média poder econômico para influenciar a indústria fonográfica. Apesar deste processo de expropriação, Sodré resgatou a importância do núcleo da sincopação, como elemento musical-cultural que garante uma identidade do samba, mesmo após décadas de mudanças impostas pela indústria fonográfica. Neste sentido, o samba, mais do que um gênero puro, seria um gênero-síntese, processo dinâmico de fusão de elementos negros, baseado na síncopa, que funcionaria como um princípio estruturador básico. Muniz Sodré destaca a importância do negro na formação do samba e seus vínculos religiosos, que se mantém como marca de origem. O samba é visto então como um movimento de continuidade e afirmação dos valores culturais negros, uma cultura não oficial e alternativa, que seria uma forma de resistência cultural ao modo de produção dominante da sociedade carioca do início do século XX. Sodré chama a comercialização do samba na década de 20, após o sucesso de Pelo Telefone, de "diáspora africana no Rio de Janeiro". Uma diáspora que manteve elementos de origem, embora não mais concentrados num lugar social específico. Trabalhando ainda com o conceito de expropriação cultural do negro, aplicada ao universo específico das Escolas de Samba e dos desfiles de carnaval, a socióloga Ana Maria Rodrigues defende a tese de que o "branqueamento" e "usurpação" das festividades afro-brasileiras representou mais uma estratégia ideológica de afirmação da "democracia racial brasileira". A autora chega a uma conclusão diferente de Sodré, pois enfatiza que a estratégia da "sociedade branca dominante" foi eficaz e enfraqueceu o caráter étnico das associações carnavalescas dos negros (e no limite, do próprio samba, como gênero musical), impedindo que elas se tornassem elementos de construção de uma consciência negra. Mesmo assim, Ana Maria Rodrigues reconhecia que, apesar de tudo, as Escolas de Samba "sobrevivem ainda como celeiro de padrões culturais negros e [ ao mesmo tempo ] revelam estes mesmos padrões alterados e transformados em produtos culturais acabados". O que importa, para o nosso ensaio, é destacar que apesar de afirmar que não pretende "estabelecer a propriedade atual do samba ou querer que exista um fechamento de tais festas", Ana Maria chega a falar em uma "virgindade" das primeiras manifestações carnavalescas dos negros, tendo o samba ocupado um lugar central na "pureza" destas festividades. A imagem da origem sócio-espacial do samba, tão forte em nossa literatura sobre o tema, é incorporada in totum pela autora: "É nas favelas que o samba tem oportunidade de evoluir, de se fortificar, em razão das características geográficas das favelas e suas formas peculiares de edificações, dificultando, automaticamente, a chegada de estranhos". Se o tema da pureza étnica/social da origem do samba, de uma forma ou de outra (mais aberto aos contatos culturais ou não), permanecem fortes, sobretudo numa dada memória social de matriz nacionalista, parece-nos que, ao longo dos anos 80, ela começou a perder vigor nas análises propriamente acadêmicas sobre o tema. Em relação à questão específica da "pureza" das identidades negras em torno das práticas musicais do início do século, os trabalhos de Roberto Moura e Mônica Pimenta Velloso mostram como os espaços geridos pelas "tias baianas", nas casas, nos terreiros ou nos bairros, eram o epicentro de relações culturais e sociais muito complexas, por onde circulavam diversos grupos e identidades. Nestes territórios de encontro, em que pese todo o peso da discriminação racial e social, é que se constituiu um idioma musical igualmente complexo e entrecruzado. Elementos brancos e negros, práticas de resistência e de clientelismo, sonoridades africanas e européias, enfim, elementos díspares encontravam nestes espaços um território comum, ainda que efetivamente sintetizados sob o tempero de uma cultura afro-brasileira e negra.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Debate historiográfico

foto: Pierre "Fatumbi" Vergerfoto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger
foto: Pierre "Fatumbi" Verger

fotos: São Caetano - BA 1946;Itaparica - BA 1946; Salvador - BA 1946-50; Recife - PE 1947; ; Garanhuns - PE 1947; Vale do Ribeira - SP/PR 1947; São Luis do Maranhão - MA 1948.


A BUSCA DAS "ORIGENS" E DO "AUTÊNTICO"NA MÚSICA BRASILEIRA

Para analisar como a questão das origens - entendida como momento fundador que delimitaria um núcleo identitário perene - é pensada na música popular brasileira, podemos nos concentrar basicamente em duas grandes correntes historiográficas: a primeira diz respeito à discussão quanto à "busca das origens", ou seja, a raiz da "autêntica" música popular brasileira. A segunda corrente historiográfica procura criticar a própria questão da origem, sublinhando os diversos vetores formativos da musicalidade brasileira, sem necessariamente, buscar o mais autêntico.

Entendemos a categoria da autenticidade, não como um traço inerente ao objeto ou ao evento "original", mas uma reconstituição social, uma convenção que deforma parcialmente o passado, mas que nem por isso deve ser pensada sob o signo da falsidade. É sob este prisma que tentaremos pensar o problema das "origens" na historiografia da música popular brasileira.

O impulso para a produção historiográfica sobre a questão da música no Brasil, conforme Arnaldo Contier, intensificou-se com o debate no seio do modernismo, sobretudo nas obras de Mário de Andrade e Renato de Almeida, ao longo dos anos 20 e 30. Alguns eixos de problemas se entrecruzavam: a) o problema da brasilidade; b) o problema da identidade nacional; c) os procedimentos pelos quais deveria ser pesquisada e incorporada a "fala do povo"(folclore); d) os projetos ligados aos modernismos musicais. Para Mário de Andrade, a preocupação em encontrar uma identidade musical e nacional para o Brasil vai remeter à fixação dos traços da música popular desde finais do século XVIII, quando já podiam ser notadas "certas formas e constâncias brasileiras" no lundu, na modinha, na sincopação. Mais tarde, ao longo do século XIX, verificou-se a fixação das danças dramáticas, como os reisados, as cheganças, congos e outras manifestações folclóricas. Finalmente, em relação às primeiras décadas do século XX, Mário de Andrade afirmava que "a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação de nossa raça até agora". Nessa altura, segundo Mário de Andrade, a modinha já se transformara em música popular, o maxixe e o samba haviam surgido, formaram-se conjuntos seresteiros, conjuntos de "chorões" e haviam se desenvolvido inúmeras danças rurais. A arte nacional estava então feita na "inconsciência do povo", sendo a arte popular a alma desta nacionalidade. Daí a necessidade das pesquisas folclóricas propostas, como um meio para entrar em contato com as bases da cultura popular. Esse procedimento indicava a necessidade de partir do primitivo (folclore), seguir uma linha evolutiva, acompanhando as vicissitudes do elemento "civilizado" (as técnicas adquiridas), mantendo porém um núcleo central que demarcava uma "alma nacional".

Em seu estudo sobre o modernismo e a música popular, Santuza Cambraia Naves argumenta que, para Mário de Andrade, o popular estaria valorizado na medida em que iria oferecer a matéria-prima para se esboçar os traços gerais da identidade brasileira.

O Bori

Fotos de Pierre "Fatumbi" Verger






O Bori

Da fusão da palavra Bó, que em Ioruba significa oferenda, com Ori, que quer dizer cabeça, surge o termo Bori, que literalmente traduzido significa “ Oferenda à Cabeça”.

Do ponto de vista da interpretação do ritual, pode-se afirmar que o Bori é uma iniciação à religião, na realidade, a grande iniciação, sem a qual nenhum noviço pode passar pelos rituais de raspagem, ou seja, pela iniciação ao sacerdócio. Sendo assim, quem deu Bori é (Iésè órìsà).

Cada pessoa, antes de nascer escolhe o seu Ori, o seu princípio individual, a sua cabeça. Ele revela que cada ser humano é único, tendo escolhido as suas próprias potencialidades. Odú é o caminho pelo qual se chega à plena realização de Orí, portanto não se pode cobiçar as conquistas dos outros. Cada um, como ensina Orunmilá – Ifá, deve ser grande no seu próprio caminho, pois, embora se escolha o Orí antes de nascer na Terra, os caminhos vão sendo traçados ao longo da vida.

Exú, por exemplo, mostra-nos a encruzilhada, ou seja, revela que temos vários caminhos a escolher. Ponderar e escolher a trajectória mais adequada é a tarefa que cabe a cada Orí, por isso, o equilíbrio e a clareza são fundamentais na hora da decisão e é por intermédio do Bori que tudo é adquirido.

Os mais antigos souberam que Ajalá é o Orixá funfun responsável pela criação de Orí. Desta forma, ensinaram-nos que Oxalá deve ser sempre invocado na cerimónia de Bori. Iemanjá é a mãe da individualidade, e por essa razão está directamente relacionada com Orí, sendo imprescindível a sua participação no ritual.

A própria cabeça é a síntese dos caminhos entrecruzados. A individualidade e a iniciação (que são únicas e acabam, muitas vezes, configurando-se como sinónimos) começam no Orí, que ao mesmo tempo aponta para as quatro direcções.

OJUORI – A TESTA

ICOCO ORI – A NUCA

OPA OTUM – O LADO DIREITO

OPA OSSI – O LADO ESQUERDO

Desta mesma forma, a Terra também é dividida em quatro pontos: norte, sul, este e oeste; o centro é a referencia, logo, todas as pessoas se devem colocar como o centro do mundo, tendo à sua volta os quatro pontos cardeais: os caminhos a escolher e a seguir. A cabeça é uma síntese do mundo, com todas as possibilidades e contradições.

Em África, Orí é considerado um Deus, aliás, o primeiro que deve ser cultuado, mas é também, juntamente com o sopro da vida (emi) e o organismo (ese), um conceito fundamental para compreender os rituais relacionados com a vida, como o Axexê (asesé). Nota-se a importância destes elementos, sobretudo o Orí, pelos Orikis com que são invocados.

O Bori prepara a cabeça para que o Orixá se possa manifestar plenamente.

Entre as oferendas que são feitas ao Orí algumas merecem menção especial. É o caso da galinha de Angola, chamada Etun ou Konkém no Candomblé; ela é o maior símbolo de individualização e representa a própria iniciação. A Etun é adoxu (adosú), ou seja, é feita nos mistérios do Orixá. Ela já nasce com Exú, por isso se relaciona com o começo e com o fim, com a vida e a morte, por isso está no Bori e no Axexê.

O peixe representa as potencialidades, pois a imensidão do oceano é a sua casa e a liberdade o seu próprio caminho.

As comidas brancas, principalmente os grãos, evocam fertilidade e fartura. Flores, que aguardam a germinação, e frutas, os produtos da flor germinada, simbolizam a fartura e a riqueza.

O pombo branco é o maior símbolo do poder criador, portanto não pode faltar. A noz cola, isto é, o obi é sempre o primeiro alimento oferecido a Ori; é a boa semente que se planta e se espera que dê bons frutos.

Todos os elementos que constituem a oferenda à cabeça exprimem desejos comuns a todas as pessoas: paz, tranquilidade, saúde, prosperidade, riqueza, boa sorte, amor, longevidade, mas cabe ao Orí de cada um eleger as prioridades e, uma vez cultuado como deve ser, proporciona-as aos seus filhos.